

– Moço, é farofa de abóbora?
– Não. É farofa de jerimum.
– Achei que fosse de abóbora.
– O que o senhor chama de abóbora,
nós aqui chamamos de jerimum.
– Ah, então é a mesma coisa...
– Não. É jerimum.
– Uhn...ok. Eu vi passando uma
carne seca com aipim, eu queria
aquilo.
– Não temos isso no cardápio não.
– Mas eu vi passando! Olha ali
aquele garçom carregando, junto
com a farofa de abóbora!
– Aquilo ali é carne de sol com
macaxeira, arroz de coco e farofa
de jerimum.
– Ah...então macaxeira é aipim?
– Se o senhor está dizendo, então
é...
– E carne seca aqui chamam de
carne de sol?
– Não. Carne seca é uma coisa,
carne de sol é outra.
– E qual a diferença?
– Moço, o senhor conhece
Google? Dá uma procurada, eu
não posso explicar agora, porque
tenho que servir as outras mesas,
fora a sua...
– Tá...entendi a indireta. Traz então
a carne de sol como aquela que
passou ali.
– Sim, senhor.
– Querido, você ainda vai arranjar
encrenca aqui com essa sua mania
de ficar discutindo com garçom.
– Que discussão, Valentina? Parece
que estou em outro país! E não
tem nem tecla SAP nos cardápios
ou nos garçons! Sou obrigado a
saber que aqui aipim é macaxeira e
que abóbora é jerimum?
– Ainda estamos na hora do almoço,
e essa é a segunda encrenca
que você arruma por causa de
comida...
– Você está falando do café da
manhã? Aquilo era canjica, e a
moça me disse que não, que era
mungunzá. E o outro era curau, e
ela me disse que era canjica! Acho
que estão tirando um sarro da
minha cara, só pode ser isso.
– Meu amor, eu já te disse que
quando criança morei em Santos,
no litoral paulista, não disse?
Pois bem, lá chamam o pão
francês de “média”. Quando
fomos morar em São Paulo,
minha mãe me mandou comprar
três pãezinhos na padaria. Eu
cheguei lá e pedi “me dá três
médias, por favor.” O português,
dono da padaria, me disse – para
você? Eu respondi que sim, claro.
Ele me mandou para o outro
balcão, e me serviram três copos
de café com leite. Para eles,
média era isso, para mim era o
pão francês. Mas rapidamente
me acostumei e nunca mais tive
este tipo de problema. A gente
mora num país continental, com
várias influências e sutilezas
regionais e, consequentemente,
várias diferenças – e você sabe
disso. Quando fomos para aquele
roteiro dos vinhos no Sul, você
quase se atracou com o gaúcho
WA I R DE PAUL A J R .
Um diálogo do cardápio brasileiro
MAGAZINE CASASHOPPING
100
• •
crônica gulosa