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Sabores

cariocas

Alguns lug res me lembram p atos muito específi-

cos. Se chego em Belém, na hora quero comer pato

no tucupi ou o tacacá da esquina de uma escola

que me deixou lembranças definitivas. Em Recife,

as agulhas fritas, que adoro. Em Belo Horizonte,

o mexidão, um prato cujas proporções calóricas

fazem jus ao nome – entendedores, entenderão.

No Rio de Janeiro, a coisa pega... Eu me lembro

mais do quociente emocional que esses pratos gera-

ram, condimento especial para excelentes memó-

rias. Para mim, o sabor carioca está intrinsecamente

ligado ao momento – a história, as companhias, o

tempo, tudo isso influencia nas minhas lembranças

sobre a gastronomia dessa cidade maravilhosa.

Eu lembro vividamente de um rissole de camarão

de um botequim na Afranio, esquina com Ataulfo

de Paiva. Quando eu tinha um dia de trabalho

intenso, desgastante, em torno das 18h00 eu dava

um pulo lá –, sabia que era a hora que um engra-

xate hilário e falante costumava ir – pedia dois risso-

les (que fritavam na hora para mim) e uma cerveja.

Sentava num banquinho alto, enquanto o engra-

xate dava um trato em meus sapatos me contando

histórias cabeludas, de como levou um tiro na testa

Wair de Paula Jr.

ao fugir do marido d amante, e eu voltava alimen-

tado física, mental e emocionalmente. Sempre tra-

balhava melhor depois desses momentos.

Tinha um prato no Alvaro´s, cuja autoria eu rei-

vindico: uma posta alta de bacalhau, grelhada,

com arroz de brócolis e um molho de azeite com

alho e cogumelos, simples – os ingredientes exis-

tiam em separado no cardápio, eu que os juntei

num momento, ficou perfeito, perfeito, e sempre

que podia eu ia a esta casa onde já era reconhe-

cido, tinha o garçom (cujo nome eu infelizmente

esqueci, era um baixinho grisalho ultra-atencioso)

que já me conhecia e sabia que eu gostava de

caipirinha de cachaça com pouco açúcar, e essa é

uma lembrança de um típico sabor carioca: uma

casa veneranda, um garçom legal, uma caipirinha

bem-feita, essas coisas que fazem esses momentos

muito duradouros.

Eu ainda acho que não existe água de coco mais

gostosa do que a que ficava num trecho no meio

da Lagoa, quando eu lá caminhava – ficava na

metade da volta, partindo de minha casa. Tomar

fôlego vendo uma vista de perder o fôlego, como

é a Lagoa Rodrigo de Freitas, sempre me fez sen-

• • crônica gulosa

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