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Classic Blue

Wair de Paula, Jr.



Em 2018 foi o Ultravioleta – teoricamente, baseado, entre outras coisas, na estética de Jimmy Hendrix & David Bowie, ídolos pop do longínquo Século XX (que a garotada deve desconhecer), cujos figurinos ostentavam esta cor. Esqueceram de citar Prince, o baixinho adorava esta cor – a ponto de dedicar-lhe uma música (tá, era Purple, não Violet, mas serve...). Era uma cor difícil, e acho que foi uma tendência que não colou, apesar de ter sido detectada dentro de princípios muito científicos.

Para 2019, escolheram o Living Coral, cor associada às matizes do amanhecer e do por do sol, mais a referência dos corais subaquáticos. Já esta era uma cor menos difícil que a do ano anterior, mas mesmo assim eu não percebi seu impacto no universo da decoração.


 (obra de Dale Chihuly, um mestre contemporâneo do vidro)

Já para 2020, a empresa americana de consultoria de cores escolheu como tendência do ano para moda, design e cultura, a cor “19-4052 Classic Blue”, que, segundo a empresa, “...é uma tonalidade atemporal e duradoura, elegante em sua simplicidade (e eu fico pensando que cor que não é simples, fora o dourado?)...traz sensação de paz e tranqüilidade para o espírito humano, oferecendo refúgio...ajuda na concentração, trazendo percepção de clareza.”


Tá...
 


Minha amiga Edith já teve um apartamento encarapitado em uma rua do Alto Leblon, cujas paredes do living e jantar eram desta cor – misturado ao branco, madeiras e fibras vegetais, com um resultado extremamente elegante, tão elegante quanto sua dona e a vista que se descortinava das imensas janelas daquele apartamento – a vista da Lagoa Rodrigo de Freitas, uma das mais belas paisagens urbanas do mundo. 
 


O que eu quis dizer com isso? O óbvio – sou bastante cético em relação à estas tendências ditadas por uma marca. São, sob minha ótica, uma manifestação de marketing, poderosa, bem construída, mas paradoxalmente inócua – e as escolhas dos dois últimos anos meio que comprova meu sentimento, não foram maciçamente aceitas, apesar de serem...tendências. Até acredito que seja uma força em outros campos – o da moda, principalmente. A moda tem uma efemeridade, e uma necessidade do novo, que estão inseridas em seu DNA de modo definitivo. Mas a casa, a decoração de nossos espaços, têm outro tempo...Não pintamos nossas paredes, não trocamos nosso sofá nem a louça de casa a cada temporada. 


 
A escolha desta cor também traduz um certo retorno ao clássico (explicitado pelo nome). E aqui eu faço um parênteses: certa vez, em Shangai, em uma viagem a trabalho, descobri uma loja que fazia e vendia tecidos feitos à maneira Shibori, um processo de estamparia e tingimento altamente sofisticado – tudo azul sobre fundo branco. Eram muitas estampas, muita beleza contida em apenas uma cor.


 
Eu literalmente quis comprar a loja toda – já pensava em fazer uma coleção inteira de móveis e acessórios usando este tecido, e suas infinitas variantes. Mas minhas intenções foram derrubadas pela atitude do dono da loja, que me disse, textualmente, que não ia vender seu produto para mim, pois eu iria “massificar” um elemento histórico na cultura chinesa, e ele se dava ao direito de controlar tanto a produção quanto o uso de seu tecido  (era uma daquelas empresas verticais, que fazia tudo – desenhava, tingia, vendia, etc.). Fiquei desapontado, aquele jovem tinha frustrado minhas intenções de lançar uma idéia nova no mercado brasileiro – mas entendi seu ponto de vista, e saí da loja com um misto de raiva e admiração.


 
Mas, voltando : a escolha por esta cor é uma tradução dos anseios do mercado, que – em virtude da crise e dos novos modelos de consumo – está apostando numa certa volta aos clássicos, ou foi uma aposta no básico, no conhecido, após dois anos de apostas em cores ditas difíceis? Eu não sei, e provavelmente nós nunca saberemos. Mas uma coisa é certa: é muito mais fácil e elegante usar um terno completo como o acima, na dita cor do ano 2020, do que sua versão em “ultraviolet”. Assim como é muito mais fácil encontrar um sofá e/ou poltronas azuis numa loja, do que coral ou violeta. Talvez a tendência não seja o azul, mas ...o básico. Simples assim.

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