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Capelas

Wair de Paula, Jr.



Não sou propriamente um homem muito religioso, daqueles que freqüentam missas e/ou cultos. Mas tenho um profundo apreço pela arquitetura religiosa, desde garoto. E, quando na faculdade me deparei com o trabalho do japonês Tadao Ando, fiquei seguindo o trabalho deste imenso arquiteto, autor de uma das mais perfeitas (sob meu ponto de vista, claro)arquiteturas feitas para entrar em contato com o divino. Sua Church of Light, na cidade de Ibaraki, a poucos quilômetros de Osaka, no Japão, traduz a divindade em luz, que invade o fundo do altar através de um rasgo na parede em forma de cruz. Tadao conseguiu, com este elemento simples, porém genial, criar uma atmosfera de contemplação e respeito utilizando conceitos completamente opostos aos que a história delegou para a arquitetura religiosa.

Se antigamente as igrejas eram cenário de fausto e luxo, hoje elas são espaços monásticos, substituindo os elementos decorativos tão presentes nestes espaços por arquiteturas solenes, que induzem a uma comunicação silenciosa com o Divino. Sai a pompa e circunstância, entra o respeito silente, a concentração,  o foco.  

Separamos aqui dois exemplos de capelas residenciais para ilustrar este tema – a nova arquitetura religiosa. O primeiro exemplo, uma capela localizada em Zollfeld, Austria, um projeto de Sacher/Locicero Arquitetos (www.sacher-locicero.com). 


A Capela de Maria Madalena, de apenas 27m2, é um exemplo de comunhão com o entorno, com a natureza e, por conseqüência, com o Criador. Um espaço monástico, simples, uma forma geométrica pura, uma cruz colocada do lado de fora, duas paredes de vidro, luz e mais nada. Uma economia de formas e recursos com o máximo de resultado – impossível não se sentir tocado em um espaço como este.


  


Nas fotos de Paul Ott, podemos quase sentir a racionalidade imposta nesta arquitetura, com o intuito de elevar o espírito de quem dela usufrui.

No Brasil, temos um histórico de capelas residenciais – principalmente no interior. Estas geralmente eram espaços de devoção do dono da fazenda, ou da casa, e talvez por isso me sejam tão especiais – são o objeto de devoção pura , desinteressada. 

Aqui, um exemplo máximo desta nova arquitetura : um espaço do jovem e genial Thiago Bernardes (www.bernardesarq.com.br). Tive a honra e o prazer de conhecer e conviver com o pai de Thiago, o fantástico Cláudio Bernardes, que criou uma nova linguagem para a arquitetura brasileira. E seu filho demonstra o talento da família em seus projetos únicos e particulares, criando uma linguagem e discurso muito coerentes com a contemporaneidade. Vejamos esta capela, no Joá – Rio de Janeiro.


 
Localizada no meio da mata, ela interage com seu entorno barroco - típico da mata Atlântica – de maneira instigante e precisa. Em um espaço de 43m2, utiliza a topografia irregular do terreno e situa este espaço junto às copas das árvores ao seu redor – um recurso que parece elevar o freqüentador desta capela a uma altura acima do chão, em belo exercício poético.  



Como no exemplo anterior, uma forma simples, mais transparente ainda, colocando o homem no centro da natureza, em um espaço dominado por esta. E, por sua transparência, criou um espaço extremamente sujeito às forças da natureza, pois seu interior é nada mais que o resultado do clima exterior.  Novamente um espaço monástico, desprovido de adornos desnecessários, apenas contando com uma arquitetura cirúrgica e uma iluminação sutil e precisa – reforçados nestas fotos pelo talento do grande Tuca Reines, responsável por fotografar grande parte da nova arquitetura brasileira.


 
O recurso da cruz colocada do lado de fora da Capela é mais do que uma jogada de estilo – desta forma, Thiago e sua equipe conseguiram levar a atenção para o céu através de um pano de vidro, reforçando a relação do homem com o Superior, com o etéreo. 

No passado, as igrejas pareciam ser construídas para mostrar a grandeza dos deuses e santos, e salientar como nós, mortais, éramos pequenos perante tanta grandiloqüência e circunstância. Hoje os novos espaços parecem traduzir as palavras bíblicas, que dizem que Deus criou o homem à sua forma e semelhança – e, portanto, igual, nos mostrando que podemos ter o mesmo quociente de divindade. Precisamos apenas de tempo, foco e fé.

Wair de Paula

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