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“AMaré é uma colcha de retalhos de várias formas

de construtividade. Algumas feitas pelo governo,

outras pelos próprios moradores. Ocupações

espontâneas como essa são áreas onde é muito

clara a inventiva capacidade da população de

encontrar estratégias para construir seu ambiente

urbano. Nesses territórios, encontramos lições de

formas distintas de pensar prioridades e soluções

urbanas”, ressalta a arquiteta portuguesa Mônica

Guerra, que estudou o processo de ocupação do

lugar e costuma, em congressos, fazer a pertinente

provocação: “O que nós, arquitetos, urbanistas,

atores sociais, podemos fazer por essas áreas?”.

É também o que questiona Gerônimo Leitão,

diretor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Federal Fluminense (UFF), autor do livro

“Dos Barracos deMadeira aos Prédios de Quitinetes”

(Eduff). Para ele, um dos caminhos seria a criação de

uma espécie de residência para

estudantes de arquitetura, que

poderiam atuar nessas áreas.

“No nosso curso aqui na UFF,

buscamos ver a arquitetura

como instrumento de cons-

trução de uma sociedade mais

justa. O trabalho do arquiteto

não deve ser destinado a um

único segmento”, ressalta ele,

que sugere que esses jovens

estudantes atuem quase como

médicos de família, propondo

soluções simples, mas eficazes

para a qualidade de vida dessas pessoas.

Gerônimo explica que na Rocinha, por exemplo,

onde há um alto índice de tuberculose (doença

que se propaga mais facilmente em um espaço

urbano onde não há ventilação e insolação ade-

quadas), a construção de janelas e o conserto de

infiltrações podem ser intervenções rápidas capa-

zes de fazer a diferença:

“Se essas pessoas vão construir, por que não

ter um suporte técnico para que isso seja feito da

melhor maneira? É possível e necessário levar a

arquitetura para a população mais pobre, seja atra-

vés do estado (como pela lei federal da Assistência

Técnica, que acabou não indo para frente), ou por

meio de iniciativas como um escritório que hoje

atua na Rocinha a preços populares”.

Ele integra o projeto Favelagrafia, que convida

moradores dessas áreas a fotografar o cotidiano

de onde vivem. Um de seus cliques mais marcan-

tes mostra uma janela recém-levantada em pri-

meiro plano e um vizinho ao fundo construindo

a própria casa, numa cena que sempre foi muito

comum nas comunidades, mas que vem perdendo

força na medida em que empreiteiras e até escritó-

rios de arquitetura começam a oferecer seus servi-

ços nessas áreas.

“A Rocinha não para de crescer. Todo dia, vejo

uma nova construção, lajes onde havia apenas

telhados. Tudo muito rápido. Perto da minha casa,

em menos de um ano, onde não tinha nada, há um

prédio de três andares. Acredito que deveriam haver

projetos sociais para capacitar esses verdadeiros

arquitetos das favelas e também um estudo sobre

se é seguro construir edificações tão altas em alguns

locais”, defende Rafael.

A tragédia da Muzema,

onde um desabamento dei-

xou mais de 20 mortos em

abril, evidencia a urgência

da implantação de políti-

cas públicas efetivas e de

fiscalização de obras de

pequeno e grande porte

nas comunidades cario-

cas. Existe, na Câmara, o

projeto de lei 642/2017,

que prevê que o municí-

pio passe a dar assistência

técnica pública e gratuita para a elaboração de

construção, reforma, ampliação e regularização

fundiária de habitação de interesse social às

famílias com renda mensal de até três salários

mínimos. O projeto recebeu recentemente uma

emenda e ainda não foi votado.

A própria favela da Maré é outro grande

exemplo da diversidade de tipos arquitetônicos

presentes nas comunidades. Pouco resta das

palafitas construídas a partir do fim dos anos

1940, quando a região de mangue, que não des-

pertava qualquer interesse imobiliário, começou

a ser ocupada por trabalhadores vindos de outros

estados para a construção da Avenida Brasil e da

Ilha do Fundão, mas é possível encontrar uma

grande variedade de construções ao longo das

16 comunidades que hoje formam o complexo.

“O que nós,

arquitetos,

urbanistas, atores

sociais, podemos

fazer por essas

áreas?”

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