Magazine 57 - page 120

“Á
gua límpida, com relva ondulando na base. É ma-
ravilhoso de olhar, mas tentar pintar é suficiente
para deixar qualquer um louco. Dediquei-me a
algumas coisas impossíveis de fazer”. A frase de Claude
Monet, já sem visão, no fim de sua vida, pode ser uma
descrição de grande parte de sua obra. E uma síntese de
sua maior coleção: As Ninfeias, uma série de mais de 300
pinturas que estão espalhadas mundo afora, de Tóquio a
Chicago, de Zurique a Nova York. Mas é em Paris que está
o legado pessoal do artista, que doou oito de seus principais
painéis para o que é, hoje, o Musée de L’Orangerie. Suas ins-
truções foram seguidas à risca, com a instalação dos painéis
em duas salas elípticas ao longo do Rio Sena, no ponto em
que o rio se alinha com o eixo leste-oeste de Paris. Ao total,
os painéis cobrem uma impressionante superfície de 200
metros quadrados de paredes, uma verdadeira frisa pano-
râmica e circular, que se desdobra até quase a sua ruptura,
envelopando o espectador.
A ideia é que o visitante se sente no meio, entre os dois
painéis, onde pode observar de perto a liberdade das pince-
ladas, a supressão de um ponto central, os efeitos de luz que
dissolvem a superfície da tela. A impressão é de um conjun-
to sem fim e sem limites. Ou “a ilusão de um tudo sem fim,
de uma onda sem margem e sem horizonte”, como definiu
o próprio Monet a respeito da coleção de ninfeias.
Conforme os critérios do artista, as obras realizadas ao
amanhecer ficariam posicionadas a leste e as executadas ao
entardecer voltadas para oeste. Uma pálida amostra desse
esforço está em um único painel que cobre toda uma sala
do MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York.
Em 1926, Monet termina os trabalhos, que jamais chegou
a ver instalados, pois morreu antes da inauguração oficial da
mostra “Nymphéas”, no L’Orangerie, aos 86 anos, emmarço
de 1927. Mas a colaboração de Monet não veio facilmente.
O velho prédio de 1852, construído para abrigar a estufa de
laranjeiras do Palácio das Tulherias estava em decadência. Foi
necessária a influência de um dos mais importantes políticos
da época e uma séria reforma no local para convencer o pin-
tor a ceder as obras, que pintou durante a Primeira Guerra,
entre 1914 e 1918.
Quando começou a pintar a série das Ninfeias, Claude
Monet já era conhecido como o precursor do Movimento
Impressionista. O quadro Impressão, hoje em Londres, tra-
zia – em comum aos painéis do L’Orangerie e a outras obras
diversas do artista – a capacidade única, quase exclusiva na
história da arte, de captar os tons, as cores, os brilhos e os
reflexos das águas, sejam as das margens do rio Sena, sejam
nas correntes turbulentas do rio Tâmisa, seja nas águas para-
das de seu jardim aquático de Giverny.
Eram as chamadas
paysages d’eau
(paisagens da água), um
processo reflexivo sobre a superfície da água, suas potencia-
lidades e complexidades. Realizadas nos mais diferentes for-
matos, essas pinturas inovadoras e revolucionárias dentro da
estética do Impressionismo abriram o caminho para a lingua-
gem da pintura abstrata e trouxeram noção contemporânea
de meio ambiente. “Monet não é mais nada do que um olho.
Mas… que olho!”, exclamou Paul Cézanne.
Em todo o universo das Ninfeias de Monet, nota-se um
universo de superfícies policromáticas, uma verdadeira
pulsação de cores que nos convida ao silêncio, con-
templação e meditação. Como observou, na época,
o filósofo Gaston Bachelard, as Ninfeias compreen-
deram a lição de calma que lhes confere uma água
dormente. Essas obras não fascinam apenas o público.
Daquela época até hoje, exerceram uma fascinação
singular sobre diversos artistas, sobretudo os abstratos
franceses e americanos dos anos cinquenta e escrito-
res como Marcel Proust, Paul Claudel, e outros como
André Masson, que classificou as salas com os painéis
de Capela Sistina da Arte Abstrata.
Claude Monet nasceu em Paris em novembro de 1840.
Sua vida teve uma vasta história de difíceis situações fi-
nanceiras e de diversas residências. Um dos principais
fundadores do Movimento Impressionista, após uma vida
A impressão é de um conjunto
sem fim e sem limites. Ou “a ilusão
de um tudo sem fim, de uma onda
sem margem e sem horizonte”
Reprodução
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