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Ponte Aérea (de novo...)

Wair de Paula, Jr.


(foto de Claudia Andujar em exposição no Instituto Moreira Salles São Paulo)

O Instituto Moreira Salles, de São Paulo, encravado na mais icônica das avenidas da cidade, é um centro cultural de inquestionável qualidade. Não bastassem seu acervo magnífico, a arquitetura de seu prédio (projeto do escritório Andrade Morettin Arquitetos), que em 2017 recebeu da APCA o prêmio de melhor obra de arquitetura de São Paulo, o restaurante no subsolo – Balaio, do chef ultra-incensado Rodrigo Oliveira (com uma cozinha matuta responsável por alguns centímetros em minha circunferência abdominal), agora podemos encontrar, em suas instalações, uma escultura do estrelado/cultuado escultor Richard Serra. Echo, o nome da obra, é composta por duas placas de aço de quase 19 metros de altura, pesando aproximadamente 70 toneladas. É a primeira escultura deste artista em espaço público no país, e – apesar de estar meio confinada nas dimensões exíguas do terreno – impressiona pela dualidade com que lida com questões como peso, equilíbrio e leveza. 



A visão destas duas placas de ferro, vista do café localizado no 4º andar, é perturbadora – como duas peças aparentemente tão finas ficam em pé desta forma.



E, neste momento, o IMS expõe a obra de uma de nossas mais importantes artistas – Claudia Andujar. Até 07 de Abril, a exposição CLAUDIA ANDUJAR – A LUTA YANOMAMI (realizada com o apoio e consultoria do Instituto Socioambiental – ISA e colaboração da Hutukara Associação Yanomami) mostra uma retrospectiva desta fotógrafa/ativista, e através de aproximadamente 300 imagens e uma instalação podemos ter uma masterclass sobre os Yanomami, indígenas ameaçados de extinção. Ocupando dois andares do IMS, este conjunto desenha um painel impecável do exaustivo e precioso trabalho de Claudia Andujar junto aos yanomamis – e, através destas imagens de alto impacto, reforça o caráter político desta fotógrafa, em sua luta pelo reconhecimento e demarcação das terras indígenas.

Segundo o site do IMS (www.ims.com.br), a seleção destas imagens é resultado de uma pesquisa de muitos anos realizada pelo curador Thyago Nogueira, coordenador da área de fotografia contemporânea deste instituto, e deve ter tido realmente muito trabalho, pois dispunha de mais de 40 mil imagens da artista.



Andujar, nascida na região da Transilvânia, escapou para a Suíça durante a Segunda Guerra Mundial. Chegou ao Brasil em 1955, e em 1971, aos 40 anos, registrou os Yanonami pela primeira vez, para a revista Realidade. Foi o início de um trabalho de uma vida – e este início pode ser visto no primeiro andar do IMS Paulista, com fotografias produzidas entre 1971 e 1977 na região de Catrimani, Roraima. Impressionantes registros do cotidiano deste povo, incluindo alguns rituais xamânicos.


(aqui, a foto de um rapaz doente sendo tratado segundo rituais da tribo)

Percebe-se nestas imagens uma dedicação de Andujar acima do profissional, o que talvez tenha transformado um inicial interesse meramente jornalístico em uma poética – e ao mesmo tempo cruel – interpretação da cultura deste povo, explicitada em impactantes imagens.


(esta foto do interior de uma oca é misteriosa, interessante)

Neste andar podemos ver o registro das festas Reahu, uma cerimônia funerária e de aliança intercomunitária, marcada por ritos específicos e muita comida. Para estas fotos, Andujar desenvolveu processos fotográficos específicos (com flashes, lamparinas e filmes infravermelhos), e com isso conseguiu não apenas documentar como interpretou estas imagens, com resultados cheios de interpretações e significados.

Ao passarmos para o segundo bloco desta exposição, percebemos que o foco agora é do contato desastroso da civilização branca com a indígena, e a hístória de luta que Andujar empreendeu para proteger este povo. Durante os anos 1970 e 1980, os planos de desenvolvimento da Amazônia durante o governo militar, mais o garimpo, introduziram um rastro de doenças e outros males da civilização que chegou a aniquilar comunidades indígenas inteiras, despreparadas para enfrentar estes males.



É uma exposição que merece mais que uma visita, para se absorver toda esta história. Ou ver a exposição, descer para o quarto andar, comer deliciosos bolinhos de mandioca ou de fubá no Café Balaio, e voltar para rever tudo. O Instituto Moreira Salles é um espaço para se absorver por completo.

Wair de Paula

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